sábado, 6 de março de 2010

caixa de fósforos

E, no entanto, tinha por vezes umas ânsias terríveis de escrever qualquer coisa, como um vómito que se quer dar à luz mas que se retrai na escuridão do estômago. Havia muito para dizer, mas talvez não numa noite como esta, em que a música não acompanha o martelar de umas teclas ainda não gastas pelo uso.
Ao acender o fósforo para queimar a ponta do cigarro, o ardor químico entrou-lhe, forte, pelas narinas adentro. Gostou. Talvez tenha queimado um pêlo ou dois, mas inalou por completo aquele segundo de intensidade e adição, inteiramente só pela rua em direcção às luzes indistintas dos faróis que cruzavam a chuva. As lojas de bairro fechadas, meia dúzia de almas vivas salpicadas e sem rumo.
Apalpou a algibeira. A caixa de fósforos continuava lá. Com uns fósforos a menos, mas lá. Como sempre estivera. Chegar a casa fazia parte da rotina. Só mudava a chuva, que de vez em quando era mais intensa. Um cigarro e depois a tranquilidade.

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