terça-feira, 27 de maio de 2008

carcódia



Não me resta mais que umas quantas aparas de carcódia na mão, fuligem escura que me suja e marca as rugas da pele. Vi hoje uma mulher com unhas grotescas de animal e não consegui desviar os olhos, de tanto nojo que a visão me provocava. Acontece-me às vezes ficar parada a olhar para as coisas como se fosse a primeira vez, como se fosse atrasada mental e tivesse ensejo de tocar em tudo enquanto dou pulinhos e me rio muito, muito... Inocente e trágica. Espanto-me de cada vez que penso um bocadinho mais: de onde vem tudo isto? Apenas carcódia, com a qual se poderia fazer barcos e carros e bonecos e casas... Mas na carcódia seca ninguém pega senão para lançar às fogueiras, com estalidos e fagulhas da resina que a ela se agarrou. Podia ter sido um barco. Escavado a canivete, com um palito e um papel a fazer de vela, a escorregar ribeira abaixo, na direcção que me quisessem dar. Mas as crianças de hoje já não sabem fazer barcos de carcódia. Suspiro, caída no chão, num estalido, crepitar momentâneo de cores e cheiros de pinhal.

2 comentários:

n. disse...

O que escreveste, fez-me recuar no tempo... recordando os barquinhos que escavei em casca de pinheiro... e que colocava a navegar num rego de água... os campeonatos que fazíamos... a alegria, por uma corrida ganha... o desafio de melhorar o barco... coisas simples...

Naked Lunch disse...
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