segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

refúgio



As vozes quentes, francesas, escorrem prateleira abaixo, espalham-se pelo chão, aos pés. Uma doce morte, uma suave morte. Mais uma conta com o nome carimbado, irreversível. A água é já quente, entra um pé, outro. Graves, vivas, as vozes, essas vozes. Cai a água, misturam-se as águas, quem sou eu? Caem assim, inseguras, as pequenas águas. Não querem descer. Quem sou eu, deveras? Um bicho do mato. Um bicho raro. Bichos. Metidos num covil. Bichos esfaimados. Bichos que sobrevivem a todo o custo. Bichos que lambem as feridas e continuam, a ganir, por caminhos áridos. Bichos à espreita. Quem? Uma puta duma assalariada. Dão-se as palavras escritas em troca de dinheiro. Não é muito diferente de vender o corpo a desconhecidos. O uso do corpo seria melhor, decerto. E menos íntimo. À saída, afaga a imagem no espelho. Quem és tu? Bicho, apaga a luz, mete passos incertos. Uma casca de ovo esquecida aguarda o gesto irreflectido. Uma gota pinga, mais uma, o gotejar límpido recorda a urgência de fechar a torneira do esquentador, avariado. Uma puta duma assalariada...

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