quinta-feira, 6 de março de 2008

aicha

Texto originalmente publicado em A Angústia da Mente em Branco.


O sabor da janela entreaberta

Todas as mulheres se sentem putas de vez em quando. Duvidas? Olha-me e diz-me o que vês. Talvez um rosto sem interesse aparente, talvez uma pele cansada, talvez não vejas nada... Não sei que histórias queres que te conte. Perdi a inocência dos contos de fadas há muito tempo. Quanto tempo... Vamos subir. Conta-me tu uma história.

Passava um quarto de hora das dez da noite quando Ângelo atravessou a rua, em direcção à luz do candeeiro. O calor era sufocante e caíam-lhe gotas de suor da testa, a camisa encharcada começava a tresandar e teria feito melhor em vir de calções, pensava. Mas como é que uma pessoa se prepara para uma coisa destas? Não sabia já se o suor era provocado pela noite quente ou pelo nervosismo de estar a cometer um acto, apesar de tudo, ilícito. Afinal, como é que se aborda uma puta pela primeira vez? Levam-se flores?

Aisha é o teu nome. Talvez não seja, mas é assim que apareces em mim. Com o teu cabelo negro e longo, com a tua pele morena e os teus olhos de amêndoa. Aisha. Um nome de deusa num corpo de menina, onde está encarcerada uma alma de puta. Quanto levas à hora? E o que é que fazes? Encanta-me. Vem-te como se fosse a tua primeira vez. Eu não me importo que não seja, cheiras a canela e eu gosto disso, mesmo que seja apenas a minha imaginação a funcionar. Está calor aqui, Aisha. Gosto das tuas pálpebras demasiado pintadas, das tuas sandálias de plástico a perder a cor e do teu batom fora de moda.

Quanto é que levo à hora? Ó meu querido, isso depende do que tu quiseres fazer comigo. Ou do que me deixares fazer contigo. Tens preferências? Nesta rua não há sonhos nem fantasias, apenas corpos abandonados nas esquinas, enleados pelas cores com que nos pintamos. Queres chamar-me Aisha? Com certeza. Serei quem tu quiseres. A janela fica aberta, para deixar entrar os espíritos...

Amo-te, Aisha.

Não sejas parvo, as putas não amam.


[Pssst... Se a música tivesse passado no bar do grogue, teríamos dançado com os pés que temos.]

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