Todos passam por mim hoje. Ou serei eu que passo por eles? Há pouco vi um homem-aranha no eléctrico. Abriu a boca e rugiu, como se fosse um dragão. Ui! Que medo! Está mais frio hoje, ou é o calor que me falta? Sento-me na praça, num banco vazio, rodeada de grandes palavras em ferro. Amor enferrujado. Escrevo um postal para entregar em mão. Não quero que as palavras se extraviem no caminho. Estico as pernas e vejo as nuvens. Não são as mesmas nuvens de há dias atrás. Falta-lhes a música. Haja música, então... Começo a ouvir, no silêncio de mim, o "shalalala" duma melodia. Passam todos por mim, hoje. O homem cego continua a tocar os únicos acordes que conhece, enquanto uma estátua humana arruma os pertences para ir em busca de melhor. Quando dobro a esquina, um velho de barbas olha para o vazio enquanto vai atirando para o chão rodelas de chouriço. Brotam como flores em redor. Passo por todos e logo me esqueço de cada um. Lamento informar... Vou só cair um bocadinho, para depois me levantar, está bem?