terça-feira, 30 de outubro de 2007

"há sustos lá dentro"

Saí de lá a lamber feridas. Poucas vezes o teatro me deu um murro no estômago, mas ontem a tareia foi valente. Talvez porque não fosse teatro, mas "perfinst", uma forma híbrida que alia a performance à instalação. Levei bofetadas emocionais e saí a apanhar os cacos de mim que havia deixado cair desde que lá entrei. Penso que as baratas se abarbataram de um ou dois...



Esta imagem não pertence a "Visões Sobre Cemitério de Pianos", uma "perfinst" baseada no imaginário e nas personagens do livro de José Luís Peixoto, que pode ser vista desde ontem no Espaço Karnart*. Mas poderia pertencer. As cores das flores de plástico e os traços sépia dos rostos deixam apenas adivinhar as dores com que se cosem as "Visões..."
Ainda sinto nas narinas o cheiro do petróleo a queimar no candeeiro. Ainda ouço os gritos profundos. Ainda me sinto incomodada pela nudez bruta, pelo sexo, pela descoberta de intimidades obscenas. Ainda sinto vontade de chorar, não por me sentir triste, mas porque a demência crua e o espaço são demasiado avassaladores. Ainda tenho o corpo tolhido pelo vento frio a soprar entre os edifícios. Ainda ecoa algures cá dentro a música antiga, riscada, e o ruído da ventoínha. E o som da caixinha de música, enquanto debaixo da cama repousam despojos humanos. E os risos histéricos. E os pratos antigos nas paredes. E os mortos que vivem, e os vivos que morrem...
Há sustos lá dentro. E uma ternura imensa nas palavras e nas rendas que, sem nos darmos conta, adquirem uma dor que nos perfura até ao mais íntimo de nós. Sentimo-nos violados. Fundimo-nos nas paredes bolorentas e descascadas, para que a nossa presença não seja notada. Mas nós estamos lá, a levar um banho de abandono. Repito-me... saí de lá a lamber feridas.

"Visões Sobre Cemitério de Pianos"
De 29/Out. a 21/Dez., 2ª a 6ª, 19 horas.
Espaço Karnart, Rua da Escola de Medicina Veterinária 21, Lisboa


*Esta será a última peça a decorrer nas instalações da antiga Escola de Medicina Veterinária. Nunca tinha ido ao Espaço Karnart e, da primeira vez que lá entro, recebo a notícia de que o edifício vai ser usado para outros fins. E fico triste. Porque espaços assim há poucos. Muito poucos. As enormes mesas de mármore rosa e antigo, usadas para dissecar corpos de animais noutros tempos, são tão tragicamente belas, as paredes a descascar encerram uma tal carga emotiva, que aqui não se pode fazer outra coisa senão teatro. Mas "Visões Sobre Cemitério de Pianos" é a última actuação nestas salas. Na minha opinião, esta é uma simbiose e um canto de cisne perfeitos.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

caminhos (ronda dos...)

Pedalo pelas calçadas, desvio-me de carros e pessoas. Levo na mochila um cartucho de castanhas. O céu, o azul, o quente do sol na pele. Cantares de aldeia ecoam nos ouvidos. "O cantar à meia-noite / É um cantar diferente / Acorda quem está dormindo / Ai, alegra quem está doente". Há uma melodia em cada esquina, em cada rosto. Assobio. Pedalo. Vivo. Canto. "Tenho tantas saudades / Como folhas tem o trigo / Não as conto a ninguém / Ai, todas hão-de morrer comigo". Respiro. Improviso uma dança. Sou o vento na tarde que sopra.

eros [unknown pleasures]


cemitério dos prazeres, lisboa

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

no palco

"(...) não quero a faca nem o queijo.

Quero a fome."

excerto de poema de Adélia Prado

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

as vinhas, as ruas, as vidas



Lá pela aldeia já se fizeram as vindimas. Da última vez que lá fui trouxe uma sacada de cachos, dos diagais*, que são mais doces... Entretanto, ainda trago "As Vinhas da Ira" na mala, para ler de manhã no eléctrico. A proximidade das imagens é flagrante, pese embora os contextos distintos. Mas o abandono das vidas é o mesmo...

*O nome correcto da casta é "diagalves".

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

bicharoco

O meu pai costuma dizer que "beber água faz rãs na barriga".
Já eu, descobri que o Licor Beirão faz borboletas no estômago...

terça-feira, 23 de outubro de 2007

malditos anos 80!!

Não tenho dúvida alguma sobre a estreita relação entre a progressiva perda de juízo e o facto de se viver sozinho/a. Na intimidade do lar, entre quatro paredes e fora do alcance quer de olhares alheios, quer do julgamento de pessoas que (julgam elas...) nos conhecem bem, a verdade é que se cometem os actos mais tresloucados que se possa imaginar. Viver sozinho/a leva-nos numa lenta caminhada em direcção à loucura. E raramente há retorno...
No meu caso, é o dançar sozinha. Começou há cerca de um ano e nos momentos mais inesperados. Às vezes estou a lavar a loiça do jantar. Outras vezes, a preparar-me para entrar na banheira. Há alturas em que me apanha desprevenida enquanto escrevo no computador. Lentamente, uma melodia, um ritmo, uma vibração entra-me pelo ouvido e aloja-se num pé, que começa a bater no chão; num ombro, que se mexe sem eu dar por isso; no pescoço, que se movimenta de um lado para o outro; ou até numa das mãos, cujos dedos começam a produzir estalidos, acompanhando o som. Conclusão: é mais forte do que eu! Sem aviso, as ancas começam a mexer, arrastadas pela música e, não raras vezes, os braços elevam-se no ar, numa clara tentativa de executar alguns passos de dança exótica. Se não podes vencê-la, junta-te a ela! À música, claro...
E é assim que, volta e meia, faço figuras muito tristes em minha casa. Como uma Ginger Rogers que perdeu o seu Fred Astaire, saltito pelos 45 m2 do apartamento, rodopio uma ou duas vezes antes de bater com o nariz na parede da sala, lanço um braço ao ar, marco o ritmo com os dedos, piso o rabo ao gato e, antes de terminar a música, faço uma pirueta e arrasto-me a coxear para a casa-de-banho em busca de Betadine, pois tenho o gato preso pelos dentes à minha canela...
Ontem foi um desses dias. Pior! Para além da figura solitária a dançar na sala, ontem à noite fui uma figura solitária com insónias a dançar na sala ao som de músicas dos anos 80... daquelas gravadas com grande esforço e dedicação numa K7 Agfa C-DX II Chrom. Há uma atenuante: a K7 não era minha, mas dos meus irmãos, que têm mais uma década que eu em cima dos ombros. Salvei-a, antes que alguma alminha mais inteligente a mandasse para a reciclagem. No tempo em que eu gravava música da rádio, já se ouvia Nirvana lá por casa. Ou ressuscitava preciosidades como The Doors ou Janis Joplin.
Contudo, isso não impede esta triste e foleira realidade: o facto de eu gostar destas músicas. E doutras ainda piores. Mas eu sou uma saudosista. Um coração de manteiga. E não bato bem da cachola, está visto, pois devo ser a única pessoa que conheço que tem, realmente, saudades de dançar slows...


Lado 1
Pepsi & Shirlie – Heartache (Isto está a aquecer...)
Paul Hardcastle – Don’t Waste My Time (Já está melhor. Os dedos estalam, os ombros mexem...)
Survivor – Burning Heart (Esta é boa!! De notar o solozinho de guitarra...)
Cock Robin – Thought You Were On My Side (Um dueto que hoje até poderia ser o genérico de uma novela...)
Stevie Nicks – I Can’t Wait (Dá-lhe!!)
Patti La Belle – On My Own (Hummm, demasiado lamecha até para mim...)
Foreigner – I Want To Know What Love Is (Ideal para karaoke...)
Phil Collins – Separate Lives (Hummm... No me gusta.)
Gerard Joling – In This World (Errrr... Alguém saiu do armário no meio desta música...)
Cutting Crew – I Just Died In You Arms Tonight (Nunca consigo evitar uma lágrimazita ao ouvir esta. Confesso, tinha um fraquinho pelo vocalista...)
Bananarama – I Heard A Rumor (Um braço, outro braço, abana as ancas, huuu, huuu!!!)

Lado 2
Bucks Fizz – New Beginning (Braços no ar!!)
Eddy Grant – Gimme Hope Joanna (‘Tá a saltar e dar ao pé!!!!)
Billy Ocean – Get Out Of My Dreams (Esta tem coreografia...)
Pet Shop Boys – Heart (É a loucura!! Onde é que eu pus aquela bola de espelhos?...)
Dollar – O L’Amour (Hiiii!! Mas que sintetizadores foleiros!!!!...)
Level 42 – Running In The Familly (E não é que ainda me lembro do videoclip desta??)
Level 42 – Lessons In Love (Havia um tipo giro na banda, havia, havia... Era o do falsete.)
Bad Boys Blue – Come Back And Stay (Ui!! Digna de uma boysband...)
Tiffany – I Think We’re Alone Now (Toda a gente a pular!! Faz de conta que é uma aula de step...)
Kim Wilde – You Keep Me Hanging On (Nesta só faço os coros: Uhhhh, uhhhh...)
Bangles – Walk Like An Egyptian (O meu gato está a olhar para mim e a pensar: ‘mas que raio...?’)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

na bisga!


imagem do vídeo "sound is the place", de minha autoria.

Ontem tive a minha primeira experiência de andar de bicicleta na cidade. Aproveitei que era domingo e estava sol, havia menos trânsito, o tráfego estava cortado nos acessos à Praça do Comércio e tal... Que dia melhor para testar a minha perícia de urbano-ciclista?
Sair de Alcântara e passar para o outro lado da linha do comboio foi o primeiro desafio. Aliás... Minto! O primeiro desafio foi tentar sair do prédio, descendo umas íngremes escadas de madeira, com a bicicleta ao ombro. Mas a decisão de viver num prédio antigo em Lisboa foi minha, por isso... aguenta!
Voltando à linha do comboio... Quero desde já deixar aqui um protesto! Porque é que não há rampas para passar para o lado de lá? Quer seja por uma passagem subterrânea, quer seja por uma passagem aérea, há sempre escadas para descer e subir com a bicicleta às costas. Felizmente sou uma moça previdente e tratei de adquirir uma máquina com quadro de alumínio. Caso contrário, daqui a uns tempos estava com uns bíceps de meter medo...
Mesmo assim, lá ultrapassei esta pequena dificuldade e pedalei tranquilamente até ao Cais do Sodré. Aí chegada, fiz o reconhecimento dos melhores caminhos até ao meu local de trabalho e, depois de umas voltinhas na Praça do Comércio, decidi regressar a casa, pois a fome já apertava.
Acerca do percurso de volta não há nada de especial a assinalar - apenas que decidi seguir pela 24 de Julho e, perto da Av. Infante Santo, como me resolvi armar em esperta e passar um semáforo que transitava suavemente do laranja para o vermelho, ia levando com um carro em cima. Nada que um sorriso culpado e envergonhado na direcção do furioso motorista não resolvesse...
Regressada a casa, toca a subir as escadas com a bicla a reboque. Com tanto sobe e desce, quem é que precisa de ir para o ginásio?!

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

e, no entanto... cose!


Máquina de costura Gritzner, marca alemã do século XIX.


Se alguém precisar de refazer umas bainhas...

literatura de wc



découpage na sapateira da casa-de-banho

Modo de fazer:

1-Apanhar todas as revistas antigas que ainda houver em casa dos pais e/ou avós, especialmente, quando os ditos têm a mania de não pôr nada fora - até é um favor que lhes fazemos.
2-Seleccionar as melhores páginas e calcular a quantidade de papel necessária para cobrir a sapateira.
3-Colar as páginas de uma forma mais ou menos estratégica (usar cola de madeira) cobrindo toda a superfície da peça. Pode haver necessidade de fazer "remendos" mais pequenos.
4-Deixar secar e evitar que o gato vá cheirar o frasco da cola, para não ficar com os bigodes colados.
5-Quando estiver bem seco, passar umas quantas camadas de verniz próprio por cima das colagens. E já está!

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

As lendas do muy ilustre Quarteto 1111

Aqui fica uma sugestão de leitura: "As Lendas do Quarteto 1111", da autoria do meu amigo Toninho, responsável pelo blog de música "Raízes e Antenas".



Esta biografia é um excelente documento acerca da banda que, de certa forma, quebrou barreiras e introduziu em Portugal nuances musicais nunca antes ouvidas. Apesar de não ter vivido a época, diverti-me muito a ler este livro, da mesma forma que me revoltei e me eterneci com as estórias aqui contadas.
A não perder!

Adenda: O Toninho vai estar no programa "Fala Com Ela" (Radar, 97.8) à conversa com Inês Menezes no próximo sábado. E, já agora, a festa de lançamento do livro é na próxima terça-feira (dia 23) no Musicbox, ao Cais do Sodré.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

verbo agir

Ouvi na Radar que anda por aí a circular nos blogs qualquer coisa como o "Blog Action Day", com vista a unir todos os bloggers em torno de um tema, qualquer que seja a sua perspectiva.

Bloggers Unite - Blog Action Day

Uma vez que o tema em causa é o ambiente, aqui vai a minha modesta contribuição:

Não vou gastar muitas palavras em prol do ambiente. Vou mas é passar a ir para o trabalho de bicicleta. Agir, muitas vezes, é bem melhor que escrever.

pormenores sem importância

No sábado comprei caixinhas de metal para a colecção na Feira da Ladra. Também trouxe uma edição velhinha dos "Cem Anos de Solidão" e um número do "Século Ilustrado" com anúncios bem bonitos. Ainda passei pela "Outra Face da Lua" e vim de lá com roupa vintage a 5 euros cada peça. O domingo foi dia de cinema, de concerto inesperado e de uma voltinha de bicicleta junto ao rio ao anoitecer. Sim, sou feliz.

domingo, 14 de outubro de 2007

REM (substância)

As insónias e as noites mal-dormidas sucedem-se. Durmo aos solavancos, com sonhos e personages e pessoas entremeadas nas camadas do subconsciente. Entre estádios de apneia mental e dormência sensorial, recordo (sou invadida brutalmente por...?) a memória de uma ideia para um livro. Uma estória. Começo a escrever, devagar, na página [mente] em branco. Começa a fase REM [Rapid Eye Movement].

terça-feira, 9 de outubro de 2007

(des)conversas

- Então mas diz-me lá, o que é que procuras num homem?
- Pá... Sei lá! Não procuro nada. Não sou muito exigente...
- Isso é o que todas dizem!
- De facto...
- Vamos por partes... O que é que não toleras?
- Hum...
- Então? Por quem é que nunca te apaixonarias? Por um doente da bola? Por um contabilista? Por alguém que cospe para o chão?
- ...Seria incapaz de me apaixonar por alguém que confunde o "à" com o "há"...

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

insónia insane

Como diria o meu amigo Garfield, "mondays suck!" No entanto, esta segunda-feira começou diferente do habitual. As insónias que povoam as minhas noites desde há algum tempo hoje fizeram-me estar completamente desperta às 5h30 da matina. Em vez de forçar o sono por mais duas ou três horas, resolvi levantar-me. E fiz coisas que souberam muito bem, apesar de ser segunda-feira:
- Ouvir o "Apontamento" da Margarida Pinto enquanto tomava banho.
- Tomar o pequeno almoço à janela, a olhar para a lua.
- Apanhar o eléctrico e conseguir sentar-me, porque ia vazio.
- Sair na Praça da Figueira e caminhar lentamente pela rua da Prata, onde não se via um único carro.
- Chegar ao trabalho e a senhora da limpeza olhar para mim com ar espantado: "A esta hora?"
- Observar quem é que, afinal de contas, são as primeiras pessoas a chegar à empresa!

it's all part of the process...

Diz o dicionário da Porto Editora que tenho sempre junto à minha secretária que por fobia se entende "medo patológico, sobretudo pelo carácter obsessivo, de certos objectos, actos ou situações; medo ou aversão impossível de conter".
Sendo uma típica gaja com problemas psicológicos e recalcamentos por resolver, as fobias fazem parte do meu quotidiano. A tal ponto que, por vezes, imagino como deve ser aborrecido viver sem uma ansiedade, uma pontadazinha de pânico, um tremor das pernas e das mãos ou um suor frio a escorrer pelo peito e costas abaixo. Não ter fobias, nos dias de hoje, não pode ser normal.
Na verdade, já tive grandes discussões pouco amigáveis sobre esta questão. Há tempos, um amigo quis fazer-me ver à força toda que ter fobias é um luxo ao qual se podem dar as pessoas que vivem nas sociedades mais desenvolvidas economicamente, sobretudo, nos grandes centros urbanos. Segundo ele, o Ti Manel das Couves, que se levanta com as galinhas para ir sachar o milho, não irá desenvolver qualquer tipo de fobia, pois o seu ritmo de vida, formatado para a subsistência, não lhe deixa margem para alimentar esse género de "paranóias". Em contraponto, quem vive num sistema maquinal - sujeito ao stress, aos apelos ao consumo, à rapidez da vida moderna - quando cumpre as necessidades básicas da pirâmide, começa a criar, na sua própria mente, uma série de problemas que, no fundo, não têm razão de ser, podendo até assumir um carácter absurdo. Ou seja, o meu amigo chamou-me maluca de uma forma mais ou menos "diplomática"...
Pois bem, não sei quem tem razão. E destesto teorizar sobre o assunto. Até porque, quanto mais esgravato na minha psique, mais neurónios avariados eu descubro. O que sei é que há, de facto, muita gente com fobias estranhas, cujo comportamento parece, no mínimo, bizarro. Como o amigo de um amigo que não consegue sentar-se junto a pessoas que não conhece num restaurante ou no cinema. Ou outro que tem uma aversão extrema às maçãs, ao ponto de lhe fazer confusão ver alguém a comer uma. Pois... Eu cá, por exemplo, desde há três anos que prefiro percorrer meia Lisboa de autocarro a meter-me sozinha no metro. Vá-se lá saber porquê, houve alturas em que o pensamento de ficar parada no meio de um túnel era o suficiente para ficar branca como a cal e começar a falhar-me a respiração. Por isso, só andava de metro acompanhada, para ir distraída com a conversa. Claro que não é algo que se possa divulgar a toda a gente, correndo o risco de levar com paternalismos do género "isso não é normal", "tens de forçar-te a andar sozinha", ou a minha preferida: "tens de ir a um psiquiatra!"
Consultas de psiquiatria à parte, nada melhor que deixar o tempo correr, não forçar situações que nos põem pouco à vontade e, aos poucos, ir resolvendo as possíveis causas dos nossos medos. Pelo menos no que a mim me diz respeito, é assim que tem funcionado. Ao ponto de, no passado sábado, em virtude de a SIC ter feito o favor de fechar a Avenida da Liberdade, impossibilitando a circulação de autocarros, lá tive de apanhar o metro para ir ao cinema no Saldanha. Sozinha!
Hesitei, claro que hesitei. Noutras alturas, perante tal dilema, facilmente resolvia o problema indo a pé, já que pernas para andar, felizmente, não me faltam. Contudo, desta vez achei que poderia arriscar. E... o metro não parou, não houve nenhum atentado com gás-pimenta, a luz não foi abaixo, as portas abriram sempre, eu não fiquei ansiosa e a respiração desenvolvia-se normalmente. Mudei de linha tranquila e andei mais duas estações. Nada de terrível aconteceu.
Saí da estação tão orgulhosa de mim mesma que o sorriso parvo na cara ainda permaneceu durante uns largos minutos. Não obstante, ainda prefiro andar de autocarro. Lisboa tem muito mais piada à luz do dia... Por isso é que, ao sair do cinema, fui até casa a pé. Esperem até eu comprar uma bicla. Aí é que vai ser!

sábado, 6 de outubro de 2007

vibrações sonoras

Há dias, quando fazia uma entrevista a uma banda portuguesa, a certa altura, a conversa virou para outros temas que não os últimos trabalhos. Um dos elementos da banda referiu a importância que o nosso nome tem no desenvolvimento da pessoa que somos. Isto porque, defendia ele, ao longo da nossa vida somos constantemente "bombardeados" com as vibrações sonoras que o nosso nome transmite ao ser pronunciado por quem nos rodeia. E isso irá, com toda a certeza, ter um efeito sobre o modo como nos desenvolvemos física e psiquicamente.
Ora, não sendo eu uma pessoa dada a esoterismos - de facto, até sou bastante pragmática na maior parte das minhas acções e sentimentos - não pude deixar de ficar a pensar nisto. Já havia dedicado algum tempo a pensar como certas pessoas parecem ter um nome que lhes assenta que nem uma luva, que seria difícil imaginar certos indivíduos com outro nome que não o seu, o que é, claro está, fruto do hábito e do nível de familiariedade que temos com essas pessoas. No entanto, nunca tinha pensado que a "etiqueta" que nos colocam à nascença pode, de facto, determinar a pessoa em que nos tornamos.
Se isto está provado cientificamente? Provavelmente não. E também não fui perder tempo à procura de estudos que corroborem esta tese. Cá para mim, o tipo da banda até podia estar a alucinar em ácidos, que a mim tanto me faz. A questão é que o tópico me interessou. E porquê? Porque, tal como muita gente por esse país fora, fui "abençoada" com dois nomes: um nome próprio, bem bonito, por sinal (Laura) e um outro nome que, por razões de extremo embaraço, não vou revelar. Nada de anormal até agora, até porque, como toda a gente sabe, o segundo nome não tem outra função senão ser usado quando os nossos pais estão zangados e à beira de nos dar uma valente sova. Nada de anormal, vírgula, não fosse o caso de toda a gente da minha família e da terrinha onde vivi até aos 18 anos, me tratar somente pelo meu segundo nome.
Ou seja, se de facto as vibrações sonoras interferirem na minha psique, esta divisão entre "D. Jekyl" na minha vida quotidiana e "Mr. Hyde" quando vou a casa dos meus pais ou falo com eles ao telefone, só pode ter resultados nefastos no meu equilíbrio mental. Começo finalmente a perceber muita coisa...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

aconteceu o que eu mais temia

Transformei-me num estereótipo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

cobras cuspideiras

Não sou de me impressionar facilmente. Tão pouco faço figura de fraca perante algumas situações menos aprazíveis. Não desmaio quando vejo sangue. Não deixo de fazer análises perante a perspectiva de ter uma agulha espetada no braço. Ir ao dentista, não sendo agradável, não representa um acto de sofrimento. Vivi numa residência de estudantes onde por vezes era necessário deitar para o lixo tupperwares que ameaçavam sair do frigorífico pelos seus próprios pés. Já mudei fraldas a sobrinhos e, diariamente, limpo o caixote do gato, o que é uma chatice, pois apesar do aspecto fofinho, os gatos não vêm interiormente munidos de Brise Contínuo... Resumindo, não há muita coisa que me meta nojo.
Ainda assim, há um acto que, mais do que me causar repulsa, me provoca uma autêntica vontade de vomitar. Não sei porquê, mas acontece. E, vivendo no país em que vivo, já deveria estar mais do que habituada. Mas é escusado. Não consigo. Estar à espera do autocarro ou do eléctrico, descontraidamente, de livro na mão, e mesmo à minha frente alguém passar e mandar uma cuspidela para o chão, é o pior que me podem fazer. Sinto logo o vómito a subir-me pela garganta, uma agonia tremenda, um desejo de desancar o cuspidor (ou cuspideira, que há por aí muita senhora que não se coíbe de mandar a sua cuspidela...).
Ok, talvez eu seja picuínhas. Talvez seja, afinal de contas, impressionável. Mas a minha dúvida permanece: o que é que leva alguém a, em plena rua e perante os incautos transeuntes, sacar de uma bola de cuspo (quando não é algo mais consistente, mas disso já nem vou falar, sob o risco de começar a ficar, eu própria, com uma cor esverdeada...) e, alegremente, fazer pontaria em direcção à rua ou ao passeio? Qual é o grande segredo que reside por detrás deste gesto? Qual é a génese da cuspidela? Qual a motivação subjacente a este hábito de tantos portugueses e portuguesas? A minha dúvida é sincera pois, para mim, cuspir é completamente anti-natural. Eu não preciso de cuspir, a não ser que tenha na boca algo desagradável (espaço agora para trocadilhos mais bardajões relacionados com a prática de sexo oral e quejandos, ahahahah, pronto, agora que já rimos um bocado, voltemos ao que é importante...).
Pesquisando brevemente na Wikipédia, que não é uma fonte muito fiável, mas que para este propósito, até serve, percebo que, de facto, a saliva exerce diversas funções reguladoras no nosso organismo. Sendo assim, qual é a necessidade quase vital e furiosa que tantas pessoas parecem sentir de se livrar desta substância - que, ainda por cima, é essencialmente composta de água? Continuo sem entender...
Acharão, porventura, os praticantes da cuspidela, que os pequenos lagos de cuspo que vão deixando à sua passagem exercem um efeito decorativo? Será que a quantidade de saliva que produzem diariamente atinge dimensões pavlovianas, sendo que têm de se livrar dela a todo o custo? Ou serei eu que não atinjo a dimensão sociológica e antropológica deste acto, que poderá representar um exercício de integração, uma espécie de "diz-me como cospes, dir-te-ei como és, qual o tamanho que calças, quantas vezes te coças em sítios menos próprios e quantas vezes limpaste os ouvidos no último mês..."? I still don't get it.
De qualquer forma, tenho para mim que a minha saliva é demasiado importante para andar a desperdiçá-la pelas ruas da cidade. Para além de ser de extrema utilidade no acto de lamber envelopes - uma prática ancestral que está a cair em desuso com a aparição dos envelopes com fecho autocolante - a minha saliva é uma preciosidade a partilhar apenas em situações especiais que, normalmente, envolvem a saliva de mais alguém... Mas isso agora não é para aqui chamado. O que interessa é que fica aqui um aviso às "cobras cuspideiras" que por aí andam: tenham cuidado com os locais onde cospem, pois eu posso cair-vos em cima!