Não me recordo de, alguma vez, o meu pai querer falar comigo. Falar, falar mesmo, trocar impressões da vida, do que é e do que não é, descrever as novidades e o correr do tempo, do frio que faz e da cor das folhas nas árvores conforme os ventos e as chuvas. Não me recordo de alguma vez o meu pai falar comigo de propósito, para saber da minha voz e de quem eu sou. A palavra sempre foi usada para concretizações, não para divagar acerca das abstracções pessoais de cada um de nós.
Nos últimos tempos tem-me telefonado. Para falar. Porque já jantou, porque está à lareira e de manhã caiu geada. Porque foi à quinta e ficou a ver o sol a mover-se e as sombras das nuvens a mudar. Porque continua tudo na mesma mas o corpo já não é o que era e o frio enregela. Porque às vezes não consegue dormir. Porque gosta de ver a novela já não sei de que canal e ri-se por achar piada ao vício. Porque quando eu lá for tenho de trazer azeite e limões e cebolas e o que houver para lá e que é só o tanto que ele tem para dar. Porque está a ficar velho e agora deu-lhe para falar comigo. E eu, ouvindo-lhe a voz agastada de 71 anos, não sei o que lhe dizer.
sábado, 13 de março de 2010
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5 comentários:
Se calhar ele não precisa que lhe digas nada, apenas que o ouças...
Um beijo.
F
como entendo... e não te conheço. de alguma forma, a nossa geração (34 anos) tem algum distanciamento da figura paterna, embora eu tenha sempre colocado o meu pai num pedestal. mas não consigo falar com ele...
conta-lhe de ti...:*
Bonito, o texto e os telefonemas. Quando for preciso saberás o que dizer ;)
Quem "fala" seus males espanta!!!
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