sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
palavras quedas
quietinhas no seu canto
enquanto cai a noite
fria neste suave manto.
Deixa quedas as minhas frases
não as retires da clausura
o silêncio sabe bem
na minha estranha doçura.
Que enquanto a noite cai
e tu te afastas de mim
as palavras quedas ficam
à espera de um melhor fim.
domingo, 25 de janeiro de 2009
amor mal passado
de carne crua
no lume brando
um amor às arrecuas
que me beija
de vez em quando.
Tenho um amor mal passado
com umas pitadas
de sal grosso
queria trincar o amor
morder, devorar
mas não posso.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
pari uma ginja
cachupa com frango frito
Queres cachupa, cachopa?
Vamos à aventura por rua estreita
No escuro beijos, ninguém nos topa
Cozinhamos esta doce receita.
Queres cachupa, cachopa?
Está picante, a arder na língua...
Se calhar era melhor uma sopa
Vê lá, não fiques à míngua.
Queres cachupa, cachopa?
Preferes peito ou antes perna?
A música quente vem ali da copa,
Fica-nos bem, esta taberna.
Queres cachupa, cachopa?
Cabo Verde fica longe. Comamos
Que a saudade a voz ensopa.
Crioulos de Lisboa, assim vamos.
Queres cachupa, cachopa?
Dá-me o copo, bebe mais vinho
Daqui a nada marchamos à tropa
Tontos, alegres, a cantar pelo caminho.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
corte de cabelo
[rua das janelas verdes, lisboa]
Preciso de cortar o cabelo
com uma tesourinha
entoar uma ladainha
de cor e enlaçada
uma meia meia feita
outra meia por fazer...
Corto uma madeixa de cada vez
zás, um pai
zás, uma mãe,
tzim, um irmão
e depois, zuc, mais um
diga lá minha menina
guardo uns quantos caracóis
pequenos
protegidos em saquinhos
de alfazema
para que não se emaranhem.
Quantas meias vêm a ser?
De manhã acordo e não sei
do meu cabelo.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
o suave tilintar das teclas
foder amor
[rua prior do crato, lx]
Não tenho tento nas palavras
e com as palavras me tento.
Menina?, e piripiri nessa língua...
Não tenho tento nas palavras
deve ser por isso que apesar do frio
tiro o casaco e mostro a pele
dos braços.
Tenho braços até às mãos.
É Janeiro e cá dentro parece Verão.
Toca-me
e eu abro a porta.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
mariprosa
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
adília na algibeira
domingo, 11 de janeiro de 2009
pobre poética
Pela manhã vi as roupas
espalhadas pelo chão
Procurei-te debaixo da cama
e não te encontrei.
Contei as tábuas pelo menos vinte vezes
para ter a certeza do chão que pisei
e esqueci-me de ver que dia era.
Peguei nas meias, na saia
e fui fumar à janela
à espera de te ver passar.
Perdoa-me a poética pobre
espero que melhore com o dia
à medida que os pés aquecem.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
geada
Passou a porta com um empurrão do corpo, sem tirar as mãos das algibeiras e com um vapor esbranquiçado a sair-lhe da boca, a guiar-lhe o caminho. Um sulco de cor gasta abria-se à sua frente, em direcção ao balcão, memória de anos de pés a arrastar-se pelo mosaico, memórias calcadas até ao chão. Vai um copo? Vai pois! Os homens da família morriam sós, de sorriso diluído no fundo de um copo de três.
No exterior do único café da aldeia a noite descia enregelada. Pela manhã estaria tudo branco de geada. Pela manhã as pegadas mal se notariam.
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
reescrever-me-te (porque a escrita se escreveu antes da história)
“Escrever é perigoso quando estamos a sofrer. Precisamos de dor para ter uma certeza. E é só isso que nos resta no final: possuir uma dor é possuir uma certeza. Ouvir que outro sofre é possuir uma dúvida.”
Demorou-se alguns segundos nesta última frase e, pensativa, fechou o livro. Inquieta. Pensou na dor. Numa dor anónima, uma dor qualquer, sem carne ou espírito, apenas uma certeza de existir. E sorriu baixinho, enquanto estendia a mão para o maço de tabaco que repousava junto à história que acabara de fechar.
- Desculpe, mas não pode fumar aqui...
Sobressaltada pela voz inesperada, olhou para a parede e viu, vindo do ar, um sinal inequívoco. Desfez-se em desculpas à empregada e procurou uma mesa vaga mais à frente, onde as vozes se perdessem no fumo errante.
- Fumar faz-lhe mal à saúde...
A nova localização trazia, por arrasto, vizinhança intrometida. Lançou um olhar furtivo na direcção do homem grisalho, sentado a pouco mais de um metro de distância. A voz pausada e grave correspondia à figura discreta e compenetrada. O cabelo e a barba envelhecidos indicavam uns 45 ou 50 anos, visíveis também numa certa altivez da postura. Era com ela que falava - contrariando toda a vontade que tinha de se manter irrelevante no espaço. Era para ela que olhava. Não se deixou intimidar.
- Também a vida faz mal à saúde, mas não é por isso que deixamos de a consumir - retorquiu, sem levantar os olhos da mesa.
O silêncio que se seguiu à afirmação fê-la olhar para o seu interlocutor. Tê-lo-ia ofendido com tamanha rispidez defensiva? Viu que ele próprio pegava num cigarro e tentava acendê-lo, em vão.
- Importa-se que use o seu isqueiro? O meu parece não querer colaborar com a minha predisposição para o vício.
Tinha um sarcástico à sua frente! Estendeu-lhe a caixa de fósforos e voltou um pouco atrás na narrativa:
- Não uso isqueiro. Espero que ainda saiba usar um fósforo... Desculpe se fui indelicada há pouco. Não estou habituada, aliás, não gosto muito que estranhos perturbem o meu espaço.
- Hum, é uma justificação. Mas repare, eu já não sou um estranho. Acabou de me ceder um dos seus fósforos. E, para além disso, não estou a entrar no seu espaço, mas a relembrá-la do óbvio. Sabe que, às vezes, precisamos que nos relembrem o óbvio...
Olhou para o relógio e perguntou-se onde é que a conversa iria parar. Sentiu um ímpeto de poder, mentalmente, acelerar o ponteiro dos minutos, de forma a que chegasse depressa a hora da sessão.
- Obviamente... – assentiu, sem grande entusiasmo.
- Desculpe se estou a aborrecê-la. Não é de todo a minha intenção. Achei interessante a sua presença. Vista daqui pareceu-me tão... inacessível.
Inacessibilidade. Flutuo por entre as luzes de uma cidade que talvez seja Lisboa. Baixo até ao chão e caminho sem tempo nem espaço, sem plano algum de fundo. Poderia mesmo nem ser eu. E daí, talvez não seja.
- O que é que veio ver?
- Estou a seguir o ciclo do Murnau. Hoje vim ver “O Último Homem”.
- Pelo que li parece ser um belo filme. Muito triste, pesado, sobretudo. De qualquer forma, sinto que vai gostar...
- Olhando para mim vê-se logo que sou uma grande admiradora de cinema mudo alemão do princípio do século XX, não é?
Riram-se ambos com o pretenciosismo consciente da frase. Ela continuou:
- Admito, é preciso ter estômago... Não é fácil ver um filme mudo a estas horas. O homem moderno já não está habituado ao silêncio. À primeira oportunidade, os olhos fecham-se, o corpo molda-se à cadeira... E você, veio ver o quê?
- A si.
Soltou uma gargalhada tão sonora que envergonharia qualquer película muda. Nas mesas ao lado olharam-na, num misto de curiosidade e desaprovação, mas logo a explosão caiu no esquecimento pois ouviu-se, vinda do ar, a música.
“Somewhere... over the rainbow...”
Era o sinal. Levantou-se e olhou-o de frente, sem medo algum de se aperceber da própria imagem reflectida nos seus olhos. Não adivinhou nenhum gesto, nenhuma palavra ou intenção suspensa. Atreveu-se a perguntar:
- Então, não vem? O filme vai começar a qualquer momento...
Ele olhou-a, sorveu o cigarro mais uma vez e, por entre o fumo a escapar da boca, ripostou, medindo cada palavra dita.
- Podes tratar-me por tu...
must... wake up... drink... coffee... please... help...
(som de cabeça a bater no teclado após vários dias a deitar às tantas da manhã e a tentar lidar com a dor de ter acordado às 8h para apanhar o 714 para a Outurela...)
sábado, 3 de janeiro de 2009
é a música, estúpido!
Eis que a Rita dá o alerta:
- Laura, aqueles gajos estão há imenso tempo a galar-te...
E eu respondo:
- Ora, tenho mais que fazer. Agora estou a dançar!